domingo, 25 de dezembro de 2016

Ficando para trás...

Fim de ano, retrospectivas em vários lugares e como é de costume, começo a pensar também como foi 2016 para mim. E esse post é para aqueles em sua maioria tem entre 20 e 30 anos e aos fazerem a retrospectiva do ano em algum momento tiveram o sentimento de que estão ficando para trás.
Escrevo este post não somente baseado em minha vida, mas em conversas com amigos que possuem mais ou menos essa faixa de idade*. Vários questionamentos passam pela cabeça e as pressões surgem. Caso você se identifique com o que escreverei, fique tranquilo, você não está sozinho nesses dilemas e meu objetivo aqui é te fazer repensar se você está realmente ficando para trás

De forma geral, quando temos entre 20 e 30 poucos anos muitos sonhos passam pela nossa cabeça, claro, todo jovem é e acredito que deve ser sonhador, mesmo que depois descubra que nem todos os sonhos são realizáveis. Contudo, existe um fator em nossa vida que acho que nos atrapalha muito a perseguir esses sonhos, que é a comparação
Por exemplo, vi N vezes pessoas dizendo: "Será o Neymar o novo Pelé? Será Messi o novo Maradona?" e sinceramente acho isso besteira, Neymar é Neymar, Pelé é Pelé e assim por diante. Para os jovens as comparações trazem a sensação de que estão ficando para trás, o que não é necessariamente verdade. Perceba, na maioria das vezes as comparações giram em torno de estudos/trabalho, estabilidade financeira e relacionamentos. Esses assuntos são aqueles que os parentes perguntam na reunião de fim de ano e que por vezes deixam os jovens incomodados. 
As comparações podem ser com quem está falando ou podem simplesmente passar pela cabeça ao ver algum amigo ou conhecido que tem a mesma idade e a situação é totalmente diferente. Vou esclarecer. 

Comparações com quem está falando
Essas comparações acontecem normalmente quando você está conversando com alguém mais velho e a pessoa começa: "Quando eu tinha a sua idade, eu já tinha minha própria empresa", por exemplo. Pronto. A comparação já aconteceu e se você não está em um bom dia, sua auto-estima já te faz achar que você é um inútil. 

Comparações ao ver algum amigo ou conhecido com a mesma idade
Essas são mais pessoais, muitas vezes inconscientes. Quando você percebe, já está pensando: "Aquela pessoa tem a mesma idade que eu e já é casada e tem filhos". Novamente, comparação feita. Ah sim. essa também pode ter a variação de alguém falar para você: "Aquela pessoa tem a mesma idade que você e já é casada e tem filhos". 

Óbvio, as comparações não são o fim do mundo e para algumas pessoas servem como estímulo. Mas o que acontece muitas vezes é que aumenta a pressão para ser algo que no momento não é possível, seja por não querer ou por não conseguir mesmo. 

Por isso a primeira coisa que considero importante fazer para repensar se estamos ficando para trás é respirar fundo e pensar com calma: "Eu, no momento que estou, gostaria de viver uma situação igual daquela pessoa?". 
Se a resposta for sim, sugiro essas outras duas perguntas: "Por que estou em uma situação diferente?", "Existe algo que eu posso fazer em relação a isso?". 
Se a resposta for não, acredito que o importante é aproveitar a fase que vivemos. Tendo o cuidado para não ficar se cobrando demais, lembre-se Neymar é Neymar, Pelé é Pelé, você é você e tem sua própria caminhada.
Então ainda que talvez em alguns momentos pareça que está ficando para trás, não se desespere, apenas viva sua vida de acordo com suas possibilidades e particularidades

E que venha 2017! Obrigado por ler meus devaneios e até ano que vem!


*Quero deixar claro que o que escreverei não é uma generalização e que necessariamente acontece com TODOS, mas sei que acontece com bastante gente, por isso não considere uma lei e sim a visão de alguns.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Como é ser descendente de japonês?

Hoje resolvi escrever um post aleatório, talvez em parte inspirado por um filme que assisti outro dia chamado 47 Ronin, que é uma lenda japonesa sobre lealdade, honra e vingança. Depois de ver o filme comecei a pensar nesses aspectos e lembrar que desde mais novo ouvia coisas do tipo "Ah, entrou mais um japonês na sala, menos uma vaga no vestibular" ou "Claro que ele sabe! Ele é japonês!", estereótipos que sei que perseguem os descendentes. Por isso resolvi escrever hoje sobre como é ser um descendente de japonês. O que escreverei a seguir é baseado em minha vivência pessoal e também em observações na família de amigos e conhecidos que também são descendentes.

Não... não sou eu e meus amigos.
Uma das características que vi desde pequeno nas famílias que tem origem japonesa é a de prezar pelos valores que são passados de geração em geração. Acredito que esse seja um dos principais motivos pelos quais os estereótipos em relação aos descendentes são formados. Vou destacar os que considero mais comuns.

Disciplina
A disciplina é algo quase que indissociável de um japonês mais tradicional. Outro dia assisti um documentário de um sushiman extremamente famoso no Japão, Jiro Ono*. O restaurante dele recebeu três estrelas da Michelin e para conseguir comer lá é necessário agendar com um mês de antecedência, devido a alta procura. Jiro diz no documentário que para chegar onde chegou é necessário sempre procurar progredir, nunca fica contente com o que já alcançou porque sempre há algo a melhorar e também mostra no documentário as dificuldades de ser aprendiz dele. É necessário muita disciplina, a ponto de ficar anos preparando metodicamente o mesmo prato todos os dias.
Não lembro exatamente quando coloquei isso na cabeça, mas quando era pequeno ficava treinando meus reflexos com uma bolinha de silicone, daquelas que pulam bastante sabe?! Eu jogava ela no chão, ela batia na parede, voltava e eu tinha que segurá-la. Fiz isso vários dias e acho que acabou me ajudando quando resolvi jogar no gol. Não fui goleiro profissional claro, mas acho que essa noção de disciplina já fazia parte da minha vida desde pequeno. Sei que não só os japoneses prezam pela disciplina, mas pelo que conheço, esse é um dos grandes pilares da cultura japonesa. Junto com a disciplina vem o esforço.

Esforço 
No japonês existe uma expressão muito conhecida que é a がんばって (ganbatte), que significa algo como "Faça seu melhor!", "Esforce-se!". E ela é usada em várias ocasiões, mas principalmente quando se quer incentivar alguém a ir além. Ela é bastante ouvida em competições, em jogos, mas também no dia-a-dia quando se vai fazer algo diferente ou difícil.
Durante o tempo que estive no Japão, ouvi bastante essa expressão, principalmente no trabalho, como eu era novato, eles falavam isso como forma de incentivo a trabalhar fazendo o melhor possível.
Fazer o melhor é quase que uma obrigação, o contrário significa desonrar seu nome ou sua família. Sim, os japoneses tradicionais são um pouco extremos nesse sentido, porque eles respeitam muito os antepassados.

Respeito
Quem já foi em uma casa de japonês deve ter visto o memorial de um parente que morreu e lá eles acendem incenso e colocam comida. Essa é uma prática comum dos budistas de cultuar os antepassados. E também em vida é dito sempre para respeitar os mais velhos, os chefes, os veteranos. A reverência oriental que é realizada nas artes marciais e é bem conhecida como cumprimento é uma demonstração de respeito, quanto mais você se inclina, maior é o respeito e a honra que se dá a pessoa

Honra e orgulho
Esses dois valores falarei junto porque também estão diretamente ligados ao filme que escrevi no começo do post. No filme e na história japonesa, tirar sua própria vida em favor da honra e do orgulho é considerado algo nobre e digno. É melhor morrer do que desonrar sua família, seu clã, seu nome. Na II Guerra Mundial muitos japoneses cometeram suicídio por terem seu orgulho nacional quebrado ao perderem a guerra**. E até hoje ainda acontece isso, por exemplo, quando alguma pessoa que possuí um cargo alto em uma empresa famosa ou no governo e é descoberta praticando corrupção, às vezes ela não só renuncia o cargo, mas também comete suicídio como forma de demonstrar arrependimento e vergonha por ter agido de forma desonrosa, isso demonstra como são importantes a honra e o orgulho. 

Como disse anteriormente, acredito que por causa desses valores os estereótipos são criados, não acho que os descendentes são mais capazes que os não descendentes, ou que nascem com uma inteligência superior, mas que por causa desses valores acabam por se dedicar um pouco a mais, suficiente para se destacar. Esses valores são bonitos e felizes os descendentes que os herdaram.

Entretanto, só quem é descendente sabe como isso muitas vezes se torna um peso caso você não seja o melhor, caso sua nota no colégio seja baixa. Conheço pessoas que já disseram que se sentiam muito frustradas porque foram cobradas por outros para serem as melhores por serem descendentes e não conseguiram. Essa cobrança pode ser externa, mas ainda há a cobrança interna e dessa posso falar com propriedade. 

Durante muito tempo e ainda hoje, me cobro para tentar fazer o melhor que posso. Meu objetivo não é competir com outros, não é ser o melhor, mas é saber que estou fazendo o meu melhor. E quando percebo que errei em algo que poderia ter feito melhor acabo me sentindo um pouco frustrado. Só que diferente de um tempo atrás, hoje percebo isso e tento ser mais tolerante comigo mesmo porque também sou humano e errar está dentro do normal. 

Hoje entendo que os valores passados para mim são muito importantes e pretendo passá-los para meus filhos e netos, porém, sei também que quando são levados de forma extrema acabam se tornando prejudiciais. Principalmente a questão da honra e do orgulho, porque eles parecem nobres, mas ser orgulhoso demais não é bom. Entendo que é preciso humildade para reconhecer o erro, a derrota, a falha e aceitar isso como parte da vida. Ser orgulhoso demais pode quebrar relacionamentos, resultar em viver uma vida com rancor e em caso mais extremos pode fazer trilhar o caminho da morte. Apesar de saber que o suicídio no Japão é algo bem mais profundo e que esse post não consegue discutir esse assunto de forma adequada, acredito que a vida deve vir em primeiro lugar. 
O objetivo desses valores devem ser a vida! Uma vida melhor vivida! 

Concluindo, ser descendente de japonês é saber lidar com os estereótipos, com os valores de disciplina, esforço, respeito, honra e orgulho passados e com a cobrança que vem junto com esses valores. Não vale a pena levar tudo a ferro e fogo, mas é importante considerar os ensinamentos para tentar viver melhor! 


* O documentário chama Jiro - Dreams of sushi e está disponível no Netflix. 
** Só como exemplo, no filme Cartas de Iwo Jima há uma cena que retrata essa isso.